XXI. Vozes Presas à Carne
O céu, ainda acinzentado e denso, observava silenciosamente os últimos passos de Yumi com os recém-chegados. A vila ao redor parecia se desfazer em espirais, como se estivesse renascendo sob outra forma. Casas deformadas se contorciam, fachadas em ruínas sussurravam lamentos, e a terra agora pulsava como se tivesse um coração próprio.
Yumi os conduziu com pressa até uma casa isolada que Miyuko havia preparado como abrigo temporário. Ao entrarem, o cheiro de ervas e metal queimado se misturava ao ar. A doutora já os aguardava.
O repórter ainda cambaleava, a perna ferida latejando. Ao ver Miyuko, suas palavras desapareceram — o fascínio por sua beleza o paralisou por segundos. Mas bastou um olhar de desprezo dela, afiado como lâmina, para reduzi-lo ao silêncio.
XXII. Corações Amarrados
A noite caiu com sons distorcidos vindos das profundezas da vila. As paredes rangiam com vozes abafadas. Yumi deitou-se, mas não conseguia descansar. As duas meninas a envolviam com os pequenos corpos, murmurando sons antigos em sonhos — e mesmo ali, havia algo reconfortante.
Miyuko, sentada perto da lareira, a observava com ternura oculta. As palavras da doutora ecoavam em sua mente: “Você é mais parecida com sua irmã do que pensa…”.
Na madrugada, as crianças despertaram com olhos arregalados, como se vissem algo que ninguém mais via. Apontaram para a floresta.
— Ela está chamando — disse Nana. — A floresta…
XXIII. Encerramento da Parte 4: A Voz da Floresta
Yumi levantou-se, segurando firme a nova arma. O eco da vila deformada parecia responder aos batimentos do seu coração. Lá fora, o chão respirava — literalmente.
Ela saiu, sentindo o peso do destino em cada passo. Atrás dela, as meninas seguiam silenciosas, como sombras.
Miyuko a chamou antes que partisse:
— Se você cruzar aquele limiar, talvez nunca volte igual. Mas se quiser mesmo salvá-las… encontrará alguém no centro da floresta. Alguém que carrega o verdadeiro coração da vila.
Yumi apenas assentiu. Sabia que a próxima jornada seria mais profunda, mais cruel, mais real. A escuridão agora tinha nome. E estava viva.
XXIV. Extra: O Corpo que Não Dorme
A noite estava estranhamente calma. Após tudo que tinham vivido, os corpos exaustos se entregaram ao sono. Yumi, pela primeira vez em muito tempo, sonhou.
Mas o sonho era estranho… escuro… como se estivesse presa dentro de um sussurro que não pertencia a ela. Vozes antigas sussurravam em um tom gutural: “Ela foi marcada… o selo… rompeu-se…”
Em meio ao sono leve, Yumi virou-se para o lado. Não percebeu quando a pequena Nana se levantou devagar, com os olhos semicerrados de sede. A menina saiu da sala, tropeçando nos próprios pés, murmurando:
— Água… preciso… água…
O repórter, que fingia dormir em um canto, abriu os olhos. Como um predador, levantou-se em silêncio e a seguiu.
No corredor, escuro e úmido, ele se aproximou dela. Um sussurro. Um gesto. E então, brutalidade.
Nana tentou gritar, mas foi sufocada com violência. Ele a segurou pelos ombros e, como se movido por um impulso incontrolável, começou a desferir socos contra seu corpo frágil. Os olhos dele estavam vazios… como se outra coisa estivesse por trás deles. Algo que não era ele.
Lá fora, a floresta estremeceu por um breve segundo.
Horas depois, Nana voltou cambaleando. Mas seus olhos não eram mais os mesmos.
A outra menina, que até então dormia abraçada a Yumi, acordou com um calafrio. Olhou para Nana andando de forma estranha. Um líquido escuro escorria por suas pernas. Ela gemia baixinho, e ao se virar, segurava a barriga.
— Nana…? — chamou a menina, com medo.
Nana não respondeu. Em vez disso, estremeceu.
A garota então fez o impensável — puxou a camisa de Nana para cima.
A luz fraca do amanhecer invadia o cômodo.
Yumi abriu os olhos lentamente, sentindo algo errado no ar. Olhou na direção das crianças. A cena diante dela congelou seu sangue.
Havia marcas… marcas negras e profundas em espiral no ventre de Nana.
Marcas que pulsavam.
Yumi saltou para frente, segurando a menina, encarando a marca horrenda e os olhos opacos da criança.
— O que fizeram com você…? — sussurrou, horrorizada.
A resposta veio não da menina, mas de um grito distante… vindo da floresta.