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  2. O Mundo Sombrio que Traz o Fim da Esperança (Novel)
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XI. O Coração que Dorme Sob as Raízes


 

A noite havia finalmente se estabelecido sobre a vila abandonada. O silêncio parecia não ser apenas a ausência de sons, mas sim algo vivo — uma presença que observava, que ouvia. Mesmo assim, naquele hospital esquecido pelo tempo, havia um raro momento de paz.

 

A doutora Miyu Hiroto preparava uma refeição simples. O cheiro da sopa quente preenchia o ar com uma sensação de lar, algo há muito esquecido por Yumi.

 

As crianças, exaustas e famintas, se aproximaram e se sentaram em volta da pequena mesa improvisada. Nana e Akari logo se aconchegaram ao lado de Yumi, abraçando-a como se ela fosse um cobertor, uma âncora, ou talvez… a única pessoa que restava no mundo delas.

 

Miyu observou a cena com um sorriso contido. Seu olhar carregava algo mais — talvez saudade, talvez alívio.

 

— Elas confiaram em você rápido, Yumi — disse com suavidade.

 

Yumi tentou sorrir, mas seus olhos ainda estavam pesados com tudo que havia visto. Mesmo assim, comeu em silêncio. A presença das crianças, grudadas a ela como pequenas sombras carentes, aquecia algo que ela pensava ter perdido dentro de si.

 

— Pode descansar. — disse Miyu, enquanto recolhia as tigelas. — Você precisa. Elas também.

 

— E amanhã? — murmurou Yumi. — Vamos continuar?

 

Miyu fez que sim com a cabeça, mas acrescentou:

 

— Amanhã, você não vai seguir direto para a floresta. Antes, terá que ir ao encontro de alguém que vive nos arredores. Uma mulher que conhece o verdadeiro coração da floresta. E se existe alguma chance de entender o que está acontecendo… ela é a única que pode ajudar.

 

— Quem é ela? — perguntou Yumi, o olhar já se perdendo entre as sombras do teto.

 

Miyu hesitou por um segundo. Depois disse:

 

— Ela era conhecida como a Guardiã do Silêncio. Ninguém sabe seu nome verdadeiro. Alguns dizem que ela é a própria floresta. Outros, que é a última sobrevivente do pacto original feito entre os fundadores da vila e o Ser. Você precisa encontrá-la… mas apenas após o sono.

 

Yumi assentiu, deitando-se no improvisado colchão de cobertores no chão. As crianças a seguiram, deitando ao lado dela como se fossem parte do seu corpo. Nana ainda segurava sua mão. Akari dormia com a cabeça em seu peito, ouvindo as batidas do seu coração.

 

Miyu observava da porta. Seus olhos, por um instante, se encheram de lágrimas silenciosas.

 

— Você parece com ela… — sussurrou para si mesma. — Mas tem algo que nem mesmo Aiko tinha. Algo… que pode romper esse ciclo.

 

Yumi, nos braços do sono, escutava vozes distantes, murmúrios da floresta, e o som ritmado da respiração das meninas. E pela primeira vez desde que chegou à cidade, ela dormiu sem medo.

 

Mas o que viria no dia seguinte… mudaria tudo.


XII. Transição de Cena: Entre o Silêncio e a Chamada

 

A noite passou como um suspiro no tempo estagnado da vila. Não havia sonhos — apenas sombras que dançavam sob as pálpebras fechadas. O calor do quarto era reconfortante, mas ao mesmo tempo artificial, como se aquela paz não pertencesse àquele mundo.

 

Yumi despertou lentamente, sentindo o peso dos corpos pequenos e frágeis ainda enroscados ao seu redor. As crianças dormiam profundamente, mas seus rostos pareciam menos tensos. Era como se pela primeira vez em muito tempo, tivessem se permitido baixar a guarda.

 

A luz cinzenta da manhã entrava pelas frestas das janelas empoeiradas. Lá fora, a floresta respirava. Um som quase imperceptível de folhas se movendo, mesmo sem vento. O coração da floresta parecia ter acordado também — e agora, chamava por ela.

 

Miyu apareceu na porta com duas canecas de chá quente. O olhar sereno, mas atento.

 

— Dormiram bem? — perguntou com uma voz baixa, para não acordar as meninas.

 

Yumi assentiu, enquanto se sentava devagar, sentindo ainda o corpo rígido. Pegou a caneca, as mãos se aquecendo com o vapor.

 

— Está na hora, não é?

 

Miyu se aproximou e se ajoelhou diante dela.

 

— Sim. Mas o lugar que você vai não pode ser alcançado com mapas ou bússola. Ele aparece apenas quando se está pronta para vê-lo. A trilha muda conforme quem caminha. Você vai entender ao chegar perto.

 

Yumi franziu o cenho.

 

— E como saberei que cheguei lá?

 

Miyu a olhou fixamente.

 

— Porque você vai ouvir… a floresta falar com você. Não com palavras, mas com lembranças.

 

Yumi se calou. Era um tipo de medo novo — não do que encontraria, mas do que se revelaria dentro dela mesma.

 

Antes de sair, ela olhou para as crianças ainda dormindo. Quis tocá-las, mas hesitou. Miyu a percebeu e sussurrou:

 

— Elas vão ficar bem. Elas sabem que você vai voltar.

 

Com isso, Yumi se levantou, prendeu o casaco e ajustou a mochila com os poucos itens essenciais. Miyu lhe entregou um colar antigo, feito de madeira retorcida e um cristal escuro no centro.

 

— Isso vai te guiar. Mas só se você deixar de duvidar do que vê.

 

Yumi segurou o colar firme, assentiu em silêncio e deu o primeiro passo para fora da segurança do hospital. O ar da floresta estava diferente. Quase… expectante.

 

E assim, começava uma nova rota.

Rumo ao desconhecido.

Rumo ao coração da floresta.

Rumo à verdade.


XIII. Transição de Cena – Rota Paralela: Chegando à Vila Foligem

 

Enquanto Yumi repousava na segurança temporária oferecida por Miyu e o calor das crianças que a rodeavam, longe dali, uma figura conhecida caminhava silenciosamente entre os escombros da antiga trilha de acesso à Vila Foligem. A névoa densa parecia recuar para dar passagem ao grupo que, há muito, havia desaparecido durante os primeiros eventos ocorridos ainda no Departamento de Investigação Sobrenatural de Nakiro.

 

Essas figuras — entre elas, agentes e moradores que haviam sumido — finalmente cruzavam os portões da vila fantasma. Seu estado físico era deplorável, olhos vazios, alguns em silêncio, outros sussurrando palavras confusas como se estivessem em transe. Entre eles, o antigo parceiro de Yumi, Takao, arrastava os pés, mas com o olhar fixo em algo que apenas ele parecia ver.

 

No centro da cidade, em meio às ruas silenciosas e ao cheiro de ferro ainda impregnado, eles encontraram as marcas da passagem de Yumi. Pegadas recentes, o saco plástico com resíduos e o rastro de vômito confirmavam que ela esteve ali. Takao se agachou, pegou um dos fios de cabelo que Yumi expelira e o guardou em um pequeno recipiente de vidro.

 

— “Ela está viva… mas diferente”, murmurou.

— “Ou algo dentro dela está mudando.”

 

Eles seguiram os rastros até a borda da floresta, onde a trilha desaparecia na espessura de árvores antigas e enegrecidas. Era como se o tempo os aguardasse ali.

 

Takao virou-se para os demais e falou, com voz grave:

 

— “Vamos seguir. A vila… não é o fim. É o começo.”


XIV. Ecos Vindos da Foligem

 

A noite desceu mais densa do que qualquer outra antes. Um silêncio gélido dominava os arredores do hospital escondido onde Yumi, Akari e Nana encontravam um raro momento de paz sob os cuidados da enigmática doutora Miyu. Lá fora, a floresta sussurrava, inquieta, como se sentisse algo se aproximando… ou acordando.

 

Mas não era apenas a floresta que sentia.

 

A quilômetros dali, um grupo silencioso atravessava os portões desfeitos da Vila Foligem. Entre eles, figuras conhecidas que haviam sido dadas como desaparecidas durante os capítulos anteriores — investigadores, civis, antigos aliados… e talvez até um traidor. As expressões nos rostos eram de cansaço, mas havia algo mais nos olhos deles: a estranha convicção de que estavam sendo guiados por algo. Ou alguém.

 

Um deles parou ao ver uma inscrição entalhada em uma pedra coberta por musgo:

“Onde o tempo esquece de passar, o sacrifício sussurra.”

 

Eles não disseram nada. Apenas seguiram, lentamente, em direção à cidade. Mas algo estava errado.

 

Nenhum deles notou as figuras que os observavam dos galhos, como vultos deformados da floresta que já não era viva — nem morta. Um farfalhar de folhas. Um estalo. Uma sombra que se moveu rápido demais para ser humana.

 

E no hospital, ao mesmo tempo, Yumi acordou subitamente da cama, suando frio. Nana dormia ao seu lado, mas Akari estava sentada na janela, olhando para fora com olhos fixos na escuridão.

— Estão vindo — disse ela sem virar o rosto.

— Quem? — Yumi perguntou com a voz trêmula.

 

Akari olhou por cima do ombro, os olhos verdes reluzindo na penumbra:

— Aqueles que a floresta não esqueceu… e nem perdoou.


XV. Capítulo Extra – A Maldição de Foligem

 

A Vila Foligem não era como lembravam.

Ruínas vivas, paredes que murmuravam, janelas que pareciam olhos. O grupo recém-chegado caminhava em silêncio, passos ecoando em ruas desfeitas e cobertas por cinzas. O ar estava seco — seco demais para um lugar que vivia sob neve. A brisa trazia o cheiro de carne queimada e musgo velho.

 

Foi quando os viram.

 

Pessoas. Mas… não inteiras.

Silhuetas humanas, sem braços ou com as mandíbulas deslocadas, caminhavam ou rastejavam pela vila. Os olhos eram negros, brilhando de forma doentia. Um deles aproximou-se, os músculos do pescoço tremendo como se contivessem uma raiva inumana.

 

— Vocês… não são… bem-vindos…

A voz arrastada parecia vir de dentro da garganta e dos pulmões ao mesmo tempo.

 

— A entidade vai pegar vocês… vocês vão alimentar… o ciclo…

 

Gritos. Risadas. Estalos.

 

Outros surgiram por entre os escombros. Saltaram. Pegaram-nos à força.

Os novos visitantes foram levados — alguns chorando, outros tentando lutar, mas era inútil. Foram arrastados até o antigo poço da vila.

 

— SAIAM DAQUI! — gritaram em uníssono as figuras mutiladas com vozes sobrepostas, como um coral amaldiçoado.

Um por um, foram jogados no poço.

 

E caíram. Mas não para a morte.

 

Acordaram… dentro da escola.

Destruída, abandonada — as salas cobertas por raízes negras e restos de uniformes infantis. Um forte cheiro de ferro inundava tudo. Sangue seco, há muito impregnado nas paredes. O som de gritos infantis ecoava pelos corredores vazios. Ecos de algo que nem mesmo o tempo teve coragem de apagar.

 

Foi então que eles viram.

 

Corpos de crianças penduradas em cordas feitas de tripas e nervos. Algumas sem olhos, outras sem pele. Cada corpo trazia uma data cravada no peito com ferro quente.

— 02.07.1997

— 11.03.2004

— 06.01.2022

Gritavam. Sussurravam. Suplicavam.

E um deles correu — para a floresta, instintivamente, na mesma direção em que Yumi uma vez fugiu, incapaz de suportar o horror.

 

Mas a floresta não acolhe. Ela mostra.

 

Lá, ainda mais fundo, encontraram o celeiro dos condenados.

As crianças não estavam apenas mortas. Estavam sendo usadas. Esfoladas, costuradas, expostas como gado em gancho. Alguns corpos estavam abertos, com símbolos entalhados por dentro da pele. Outros tinham partes retiradas — olhos, bocas, orelhas — e rearranjadas em formas sem nome.

 

E então ele apareceu.

 

O Guardião do Ciclo.

 

Um ser disforme, alto, com membros desproporcionais e irregulares. Braços que terminavam em lâminas de ossos. Pernas como de gafanhoto, mas cobertas de pelos espessos como de um urso. O corpo era composto de partes de crianças — olhos por todo o tronco, piscando em direções opostas. Alguns olhos ainda derramavam lágrimas.

 

Ele arrancava pedaços de sua própria carne e se costurava novamente, como se o próprio corpo não quisesse mais fazer parte dele.

 

Quando falou, a voz era a de todas as crianças usadas.

 

— Vocês… acordaram o fim.

 

Ergueu a foice. O som cortou o ar. Um dos homens caiu sem cabeça, como um boneco de pano.

 

Outros correram. Gritaram. Mas… a floresta fechou o caminho de volta.

 

Eles agora pertenciam ao ciclo.

 

E em algum lugar, muito além daquele inferno, Yumi sentia um calafrio descer pela espinha. Mesmo protegida naquele hospital oculto, algo dizia que a floresta acabara de abrir uma nova rota — e que esse era apenas o primeiro sinal.

 

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